O controlo e a mediação do Estado na atividade seguradora, mesmo que por bons motivos, está a levar todo o setor agrícola a permanecer sem escora face às intempéries.
A segmento interessante, ou liberal, desta história não é o Estado concordar os seguros agrícolas – essa prática acontece na Europa e um pouco por todo o mundo e tem de ser enquadrada enquanto tal. O curioso é que, apesar da mediação do Estado, ou talvez por essa mediação, o setor está “recluso”, sem espaço de desenvolvimento e supra de tudo, deixa os produtores sem uma adequada proteção face ao risco climatérico.
Já estamos em pleno 2021 e não se sabe quem vai suportar o risco: Quem pagará os danos causados pelas cheias, chuvas persistentes ou geadas?
As companhias deviam estar a vender os seus produtos, mas ninguém sabe quais as “regras do jogo”. O Decreto-Lei que regula esta atividade prevê que até 31 de dezembro sejam divulgadas as orientações técnicas respeitantes à campanha de contratação do ano seguinte. Essas orientações técnicas ainda não são conhecidas.
Mas há mais. E esse “mais” ajuda a compreender porquê é que ajudando se desajuda.
Até ao ano pretérito, o Estado apoiava os seguros agrícolas de duas formas: suportava segmento do prémio dos agricultores e cobria segmento do excesso da despesa das seguradoras.
Oriente escora ao excesso de despesa das seguradoras é muito vulgar nos seguros. As companhias, em todos os ramos, fazem seguros dos seguros – abdicam de segmento dos seus prémios (das suas receitas) para serem compensados em caso de enfrentarem muitos sinistros, ou de suportarem um principalmente grave. Exemplo muito corriqueiro: se uma companhia de seguros carro estiver a suportar muitos acidentes, haverá uma companhia, no Alasca, que ajudará a companhia portuguesa, e vice-versa – há um mercado internacional de resseguro que permite resolver estas coisas. As companhias precisam de ter um escora para os picos de sinistralidade, de ter um seguro para o seguro.
A diferença para os seguros agrícolas é que o Estado suportava segmento deste seguro de seguro: as companhias não perdiam tanto prémio para serem ajudadas em caso de premência. O Estado era o “Alasca” e com condições financeiras mais vantajosas para as companhias.
Porém, provavelmente motivado por falta de verbas, o Governo decidiu completar com o escora às seguradoras. Desde 31 de dezembro que não há escora aos custos das seguradoras. Até cá, tudo muito. Simples que podemos questionar a misericórdia da medida, lembrar o envolvente pandémico e as condições de concorrência internacional… podemos discordar, mas faz segmento da função governamental deliberar “onde” e “porquê” gastar o nosso moeda.
O problema neste caso está, sobretudo, no “porquê”.
Até 31 de dezembro, o Estado limitava os custos das seguradoras, mas, através de limites às bonificações, fixava os preços. Agora continua a tabelar os preços, mas não dá qualquer suporte aos pagamentos dos sinistros – é assim fixada a rentabilidade das seguradoras: uma má rentabilidade.
E sem o escora aos custos, e sem uma totalidade flexibilidade do lado da receita, não há (quase) nenhuma resseguradora internacional que queira substituir o Estado nos picos de sinistralidade.
Para complicar, o próprio resultado de seguro é regulamentado, pelo que se as seguradoras quiserem oferecer um pouco dissemelhante do habitual, perdem o escora oferecido ao preço e não têm condições de concorrência no mercado.
O que irá intercorrer nos próximos meses é simples: os produtores agrícolas com menor rendibilidade, isto é, com maior risco, os que mais precisam, não terão cobertura. Estes produtores terão de enfrentar os riscos climatéricos sozinhos.
As companhias que quiserem entrar no mercado para os ajudar, oferecendo um pouco dissemelhante, terão se suportar uma trouxa administrativa e burocrática elevada.
Lá fora, os outros agricultores continuarão a ter os apoios e as ferramentas necessárias para fazer face à incerteza. Com condições conhecidas a tempo e horas.
Uma política correta para o setor seria a promoção de um mercado segurador mais livre e incentivar a geração de novos produtos de cobertura de risco. O atual esquema de subsidiação e regulamentação tranca a inovação e não promove a geração de produtos sustentáveis, isto é, sem poderoso escora do Estado.
Por estranho que pareça, a melhoria do muito geral e a prosperidade dos agricultores não depende tanto do clima, mas de uma política de risco muito desenhada, implementada e conhecida a tempo e horas.
* Transparência: sou fundador da Safe Crop – uma escritório de subscrição e comercialização de seguros agrícolas especializados.